quinta-feira, 9 de outubro de 2008
O encontro de Jesus com as crianças narrado em Mc 10:13-16 (Roséte de Andrade)
A vida e o ministério de Jesus foram marcados por muitos encontros com todo tipo de pessoas. Alguns desses encontros pareciam absurdos aos olhos de seus seguidores e da sociedade em geral. Imagine, um grande Mestre, e filho de Deus, recebendo, atendendo e conversando com pecadores, publicanos, cegos, coxos, pedintes, pessoas afligidas pela doença (considerada na época sinal de maldição, fruto de pecado), acolhendo crianças....
O ensino de Jesus e as histórias sobre Jesus chegaram até nós através do testemunho dos seus discípulos registrados um pouco mais tarde nos evangelhos. E os evangelhos nos falam do Salvador Jesus como alguém que ama o pecador, que deseja que todos experimentem e vivam o amor do Deus que ama, acolhe, cuida, restaura, capacita e envia as pessoas para repartirem esse mesmo amor de Deus. Jesus se coloca sempre ao lado dos injustiçados e dos que têm a dignidade e a vida ameaçadas. Para Jesus a dor do outro é um desafio missionário.
Jesus na sua pregação e na sua prática propõe uma inversão dos valores religiosos e sociais vigentes no seu tempo. O maior não é quem manda, mas o que serve ao próximo. O que se exalta será humilhado. Os que buscam os primeiros lugares serão os últimos. Para uma sociedade moldada para o acúmulo de riquezas Jesus ensina a partilha e a solidariedade. Para um mundo dirigido pela “lógica” do mais forte Jesus propõe a nos tornarmos dependentes de Deus e sermos como crianças.
O encontro de Jesus com as Crianças mereceu registro em três dos Evangelhos: confira em Mc 10:13-16; Mt.19:13-15 e Lc.18:15-17. Esses registros nos mostram tanto a importância desses encontros para Jesus quanto a surpresa e a perplexidade dos discípulos e demais discípulos quando Jesus deixa de atender aos “melhores e mais influentes”, como faziam os grandes rabis, para receber e dar atenção às crianças. Numa sociedade que só valorizava a pessoa maior de idade e do sexo masculino, ou seja, produtiva e autônoma, Jesus prioriza, gasta tempo e atenção com as crianças.
No texto Bíblico Jesus vê as crianças no meio da multidão, ele estava atento. Num mundo para o qual as crianças eram “invisíveis”, Jesus vê as crianças como parte do rebanho que devia pastorear. O encontro de Jesus com as crianças é mais do que uma audiência; torna-se um ensino e um desafio para os discípulos. O Senhor Jesus afirma categórica e explicitamente que as crianças fazem parte do Reino de Deus. “Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o Reino de Deus” (Mc 10:14). Um pouco antes, orientando aos seus discípulos que discutiam sobre qual deles era o maior no Reino dos Céus, o Senhor Jesus depois de tomar uma criança em seu colo, afirmou: “Qualquer que receber uma criança, tal como esta, em meu nome, a mim me recebe; e qualquer que a mim me receber não recebe ao mim, mas ao que me enviou” (Mc 9:36-37). “Receber” significa “acolher”, “aceitar”, “admitir”, “recepcionar”. Assim segundo Jesus a criança é um sacramento (sinal visível) do Reino, dele mesmo (Jesus) e do próprio Deus.
Essa postura de Jesus tem exigido da igreja repensar o lugar da criança, repensar o seu compromisso e sua responsabilidade com os pequeninos que são os “maiores no Reino” e os que independentemente de qualquer outra coisa “já são cidadãos” do Reino de Deus.
À semelhança de Jesus, a Igreja deve pastorear as crianças. As crianças estão no nosso meio e são parte efetiva da família e do povo de Deus, precisam encontrar na Igreja “Portas Abertas”: Um lugar onde são acolhidas e amadas incondicionalmente, onde encontram um ambiente favorável para desenvolver a sua fé, em que se sentem parte ativa e atuante para celebrar a fé e experimentar uma vida de intimidade com Deus.
Nós Metodistas cremos que a criança participa da salvação em Jesus. É alcançada pela graça de Deus e deve ser ensinada para que não se desvie dos caminhos do Evangelho. Comparando a Igreja com o rebanho de Deus mencionado no Salmo 23 ou no Sl 78:52-53, podemos dizer que o pastoreio (o cuidado) da criança é responsabilidade não apenas do pastor, da Igreja ou da família. A responsabilidade é da família, da Igreja e do pastor. A educação cristã das crianças é um trabalho em parceria.
A Igreja Metodista através de seus Bispos e Bispa, depois de discutir por mais de 10 anos e após oração e de reflexão à luz da Palavra de Deus, após conhecer o tratamento que a Igreja primitiva dava às crianças e do lugar da criança na Igreja Metodista, lançou um importante documento chamado “Pastoral da Criança”, cujo enfoque está na pedagogia de Jesus e no compromisso da Igreja com a ação pastoral que promove a criança como cidadã do Reino de Deus. É um documento importante que todos os pastores e membros da Igreja Metodista deveriam ler, conhecer, discutir, acolher e aplicar na vida da Igreja. Os Bispos terminam o texto da Pastoral dizendo: “Como ela (a Pastoral da Criança) inspirou a nós, bispos e bispa, em sua elaboração, desejamos que ela ajude o povo metodista a assumir novas frentes missionárias de trabalho com crianças. Que o povo chamado metodista em nosso país possa ser agente do amor de Deus pelas crianças, ministrando-lhes os sacramentos (batismo infantil e ceia do Senhor), cuidando melhor delas, compreendendo-as como tais, capacitando-as a serem agentes da paz, instruindo-as para que não se afastem nunca dos caminhos do Senhor”.E sentenciam: “Se há prioridades, são para as crianças”.
Do que estamos falando mesmo nessa lição? Não nos esqueçamos: estamos falando de um encontro de Jesus com as crianças que assegurou o lugar central das crianças dentro da fé cristã e que deveria ter assegurado também, se fossemos fiéis, a nossa prioridade para apascentar as crianças, seja na Escola Dominical, seja pelos pastores, seja no orçamento e na agenda das Igrejas locais.
A Família pastoreia
Muito que somos hoje, do que pensamos e valorizamos, do que tememos e que nos dá alegria, devemos à maneira como fomos criados, educados e amados em nossa família ou na falta dela. É na família que temos nossa primeira e mais fundamental visão de mundo, de valores e também de Deus.
Percebemos assim o lar como a “primeira sala de aula” também do ensino religioso e na vida espiritual. É na família que adquirimos as primeiras sensações e noções sobre Deus. E essa primeira impressão nos marcará para sempre. Como vimos, a família é também a porta para o mundo e a porta por onde o mundo chega até nós. É na vivência familiar que temos formada a concepção de lar, da vida, de valores, da própria realidade ...
Desta forma, é fundamental, por exemplo, despertar a família para a importância do cultivo de momentos devocionais. Se a família separar tempo para estar com Deus, a criança aprenderá que estes são momentos especiais e aprenderá a guardá-los pela vida afora. Lembrando sempre que quanto mais cedo se começa a formar hábitos, tanto mais fáceis de se tornarem “parte” da vida. Como se diz, é mais fácil educar a criança do que corrigir o adulto.
Vivemos tempos em que, por uma série de razões, a responsabilidade da educação cristã não tem sido assumida pelos pais e família e quase sempre transferidas para a Igreja, particularmente para a Escola Dominical. Mas as menos de 2h semanais que a criança passa numa sala de Escola Dominical jamais serão suficientes para educar cristamente uma criança que gasta muito mais tempo recebendo muitos outros tipos de ensino e informações, como por exemplo, a babá, os amigos, a escola e a televisão. É preciso conscientizar as famílias do seu papel preponderante neste processo, cabendo à Igreja o suporte, a orientação e a sistematização da nossa fé e crença.
A Igreja Pastoreia
A medida do aprendizado está diretamente relacionada com o espaço e oportunidade de vivência e experiência oferecidos à criança. Quanto mais se sentirem acolhidas e amadas, na medida em que forem educadas com as histórias bíblicas e envolvidas nas celebrações e ritos (cultos) e quanto mais forem preparadas, animadas, desafiadas e chamadas a participar da tarefa missionária da Igreja, maior seu desenvolvimento na fé.
Vemos assim, que além do ensino religioso diário em casa e de uma boa instrução na Escola Dominical, a criança precisa ser atendida nos espaços cúlticos da comunidade (cultos inclusivos e sensíveis à presença e à participação das crianças, acessíveis e adequados a ela em seu conteúdo e forma), participando das diversas celebrações da igreja também como protagonista decisiva da Missão de Deus. Ou seja, devemos incentivar as crianças orientando-as para participarem da maravilhosa experiência da ceia do Senhor, da festa do Batismo (entendendo-o como sinal de pertença à comunidade), do louvor, serem envolvidas nos serviços amor e solidariedade, programas de lazer e culturais. A criança precisa descobrir-se parte da comunidade, ser chamada a contribuir. Sentir que faz parte da história daquela comunidade e que a continuação dessa bela história também depende dela. Se ela descobrir seu lugar, seu papel neste processo dificilmente se afastará na adolescência.
O Rev. João Wesley, o fundador do Metodismo, já demonstrava esta preocupação com os pequeninos do rebanho quando levava os candidatos a pregador e pastor do movimento Metodista a firmar um voto de compromisso ao atendimento à criança. Antes de receber o credenciamento ao candidato era perguntado: “- Você instruirá diligentemente as crianças e as visitará de casa em casa?” (WESLEY E O POVO CHAMADO METODISTA, de Richard Hatzenratter, pág. 235). Para ser pregador metodista era necessário responder positivamente a este desafio.
Talvez possamos recuperar esta prática histórica, este exemplo dado pelo Rev. João Wesley, de modo que os pastores e pastoras metodistas possam assumir igualmente o compromisso de pastorear as crianças de sua comunidade, apesar da agenda apertada. As crianças não podem continuar sendo “invisíveis” ou “terceirizadas”. As crianças precisam perceber o pastor como alguém próximo e acessível, como seu pastor, pastor também das crianças. É importante superarmos a tal “falta de jeito” para estar, falar e ministrar às crianças e deixarmos ecoar em nossos ouvidos, mentes e corações as palavras de Wesley: quando algum pregador se desculpava dizendo que não tinha esse o dom ou o jeito para ministrar às crianças, a resposta de Wesley era clara e incisiva: “Com dom ou sem ele, você deve fazer isso; do contrário, você não foi chamado para ser um pregador Metodista” (Minutes of Several Conversations”/Wesley Works – Coleção Jackson pág. 316 do Vol. VIII).
TODAS AS CRIANÇAS SÃO AMADAS POR DEUS
Voltando ao texto Bíblico, Jesus viu as crianças, acolheu e as abençoou. Abençoou a todas que estavam a sua volta. As crianças não eram apenas as judias, as que eram filhas dos crentes e as que freqüentavam a sinagoga (digamos, a Igreja daquele tempo). Jesus certamente refere-se a todas as crianças em qualquer lugar do mundo e em de qualquer época. Temos aqui um novo desafio: a Igreja deve ser canal de bênção para todas as crianças. Orando e trabalhando para que a infância seja mais amparada e cuidada. Inspirados no ensino e na prática de Jesus e motivados pela presença e ação dinâmica do Espírito Santo, somos convidados para olhar além dos espaços já conquistados e ampliar as fronteiras, redescobrindo e reafirmando o nosso compromisso de “receber” (acolher, proteger, educar, etc...) não apenas as crianças que estão nos “apriscos” de nossas igrejas e congregações, mas “ir” missionariamente também ao encontro das crianças, de todas as crianças, particularmente as crianças desassistidas e que têm sua dignidade, futuro e vida ameaçadas.
Além do culto e da Escola Dominical, o que nossa Igreja pode fazer em favor das crianças de nossa circunvizinhança, de nosso bairro, de nossa cidade e das que estão em “depósitos” tipo orfanatos e as que estão aprisionadas por cometerem algum tipo de delito e crime? Podemos oferecer reforço escolar, um projeto de esportes, e mais o que?
Queremos olhar para além dos “muros” (do limite entre o povo da Igreja e o povo que não participa da Igreja) e descobrir as crianças que precisam de nós e às quais Deus nos envia a amar e cuidar. Crianças que precisam experimentar o amor de Deus através do nosso testemunho, amor e serviço. Sobretudo as empobrecidas, que têm suas vidas concretamente ameaçadas e que, em nome do Grande Pastor e no poder do Espírito Santo, precisam ser amorosamente acolhidas, defendidas, cuidadas, orientadas, conduzidas e educadas. Além dos nossos “muros” há um número enorme de crianças, vítimas da violência, de abusos de toda ordem, da exploração de seu trabalho, da prostituição, do abandono, dos conflitos armados, da discriminação racial, da miséria, da falta de perspectivas para o futuro e de oportunidades de se desenvolverem como pessoas e cidadãs.
Aceitar o desafio de romper nossas fronteiras humanas (e às vezes desumanas!) e ir ao encontro de todas as crianças - onde e na situação que estiverem - é o modo como a Igreja Metodista pode oferecer um testemunho prático de ser uma “comunidade missionária a serviço do povo”. Sobretudo no início deste biênio em que o metodismo brasileiro assume o tema “Testemunhando o Ardor da Missão”.
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