terça-feira, 28 de outubro de 2008

Um sentido pra a vida (Antoine de Saint-Exupéry - 1900-1944)

“É este o verdadeiro milagre da espécie humana: não existir dor nem paixão que não irradie e não assuma uma importância universal. Se um homem, em seu sótão, alimentar no peito um desejo bastante forte, ele poderá daí, incendiar o mundo.”

“ Será que não se entende que, algures, nós erramos nosso caminho? O cupinzeiro humano é hoje mais rico do que outrora, dispomos de mais bens e de ócios e, contudo, existe algo de essencial que nos falta, algo que nós mal sabemos definir. Sentimo-nos menos homens, perdemos, não sabemos como nem onde, misteriosos privilégios.”

“ Nós queremos ser libertados. Aquele que trabalha com a enxada quer descobrir um sentido no golpe da sua ferramenta. E o golpe da enxada do condenado a trabalhos forçados não é o mesmo do prospector, que engrandece quem o dá. O degredo não reside aí, onde se trabalha com a enxada. Não existe horror material. O degredo reside aí, onde se dão golpes de enxada que não têm sentido, que não ligam quem os dá à comunidade dos homens. Nós queremos evadir-nos do degredo. ”

“ Será que nossas divisões valiam os nossos ódios? Quem poderá pretender estar sempre absolutamente certo? O campo visual do homem é minúsculo. A linguagem é um instrumento imperfeito. Os problemas da vida rebentam com todas as fórmulas. ”

“Hoje me sinto profundamente triste, triste em profundidade. Estou triste pela minha geração, vazia de toda substância humana, geração que apenas tendo conhecido o botequim, as matemáticas e os automóveis Bugatti como forma de vida espiritual, se encontra hoje numa ação estritamente gregária que já não tem mais cor alguma. Odeio minha época com todas as forças. O homem está morrendo de sede. ”

"É preciso viver muito tempo para se tornar um homem. Entrelaça-se lentamente a rede das amizades e das ternuras. Aprende-se lentamente. A obra compõe-se devagar. É preciso viver muito tempo para que a pessoa se cumpra."

" Carta ao General X: Ah! General, só existe um problema, um único problema, em todo o mundo. Restituir aos homens uma significação espiritual, inquietações espirituais. Fazer chover sobre eles algo que se assemelhe a um canto gregoriano. Se eu tivesse fé, é mais do que certo, passada esta época de "job necessário e ingrato", eu não conseguiria suportar senão Solesmes*. Não é possível viver só de geladeiras, política, orçamentos e palavras cruzadas, não é mesmo? Não é possível viver-se sem poesia, sem cor e sem amor. Basta escutar um canto popular do século XV para podermos medir até onde chegamos.(...) Existe um problema, um único: redescobrir que existe uma vida do espírito ainda mais alta do que a vida da inteligência e que é essa a única que satisfaz ao homem. Para que servirá ganhar uma guerra? Se eu voltar desse " job necessário e ingrato", só haverá para mim um problema: que poderemos, que precisaremos dizer aos homens? É absolutamente necessário falar aos homens.

Mas para onde vão os Estados Unidos e para onde vamos nós, também, nesta época de funcionalismo universal? O homem robô, o homem térmita, o homem que oscila entre o trabalho forçado Bedeau e o jogo de cartas. O homem castrado de todo o seu poder criador, e que não sabe mais, lá no fundo do seu lugarejo, criar uma dança ou uma canção. O homem que alimentam de cultura confeccionada, de cultura padronizada, como se alimentam de feno os bois. É isso o homem de hoje."

(*Solesmes: Convento beneditino fundado na França em 1010).
___________________________________________________________________________
Fragmentos do livro "Um sentido para a vida" - Antoine de Saint-Exupéry - Ed. Nova Fronteira - 1983 Tradução de Maria Helena Trigueiros

Nenhum comentário: