terça-feira, 14 de outubro de 2008

Viver sem medo de ser feliz uma felicidade sem medo de chorar nossas dores (Ronan Boechat de Amorim)




Não raras vezes olhamos para trás e sentimos saudades de como as coisas eram, de como era a vida. De uma época para outra as coisas “evoluem” e a vida, os valores e os sentidos ficam diferentes. Faz parte de nossa época, que alguns chamam de modernidade e outros de pós-modernidade, a criação de um mundo artificial onde não haja dor, crises e a morte. E também uma tentativa de controle sobre as variáveis que possam nos lembrar de nossa finitude. Daí a sensação de que a religião cria um mundo sem conflito, que a tecnologia resolve tudo, que os remédios curam toda dor e que, implicitamente, fala-se tanto de imortalidade, como na questão da clonagem, por exemplo.

Lida-se com a dor e o sofrimento medicamentando-os, ao invés de se investigar a razão da dor (ouvindo a pessoa que sofre). Aliás, desrecomenda-se ouvir quem sofre, quem está morrendo. Fazer isso é pecar contra o credo moderno da felicidade (sem norte, sem dor, sem finitude).

É como se o mito da imortalidade voltasse com a roupagem moderna da ciência. As pessoas morrem porque não se descobriu ainda um remédio para a cura da enfermidade ou porque o paciente não respondeu ao tratamento. A morte, assim, é vista como uma falha do processo e do projeto científico moderno.

Por isso falar da morte é um tabu. E tem de se bater na madeira por 3 vezes. As pessoas moribundas ou com doenças terminais por exemplo, são retiradas para quartos gelados de CTI ao invés de viverem seus momentos finais ao lado e no calor da família. Doente terminal bom e morto bom é o que não dá trabalho. As crianças, como nunca aconteceu antes na história, são impedidas de ver o morto, de comporem o quadro do velório. Hoje em dia o contato da criança com a morte pode causar-lhe danos e traumas. Morte só nos filmes.

Mas como não podemos parar de sofrer e nem temos como fugir da morte que faz parte da vida de todos nós, sofremos mais ainda. O grupo musical Titãs canta uma canção que diz: “E toda dor vem do desejo de não sentirmos dor”. Por fingirmos não reconhecer que dor, finitude e morte fazem parte de nossa vida e assim não nos prepararmos para viver “ainda que andemos pelo vale da sombra da morte” ou “ainda que os montes se abalem” é que a depressão é a doença de nosso tempo, da modernidade. A pior dor do mundo é a dor da frustração ao fim das ilusões quando percebemos que é impossível viver sem passar pelas experiências boas e ruins, de alegria e também de dor, que gera vida abundante e que também experimenta a morte.

Nenhuma dor é boa e a morte também não o é. Mas podemos aprender algo com elas e assim nos tornarmos pessoas melhores. A maneira como lidamos com o sofrimento e a morte nos faz pessoas melhores ou pessoas piores, mais humanos ou mais desumanos.

Precisamos perceber que há muitas pessoas que sofrem e que estão morrendo. E isso deve nos levar à atitude de compaixão de oferecer conforto e amizade que escutam, que oram, que cantam e que dão carinho. E não o silêncio ou a indiferença que tornam a dor e a perspectiva da morte algo extremamente amargo, insuportável e cheio de solidão. Com-Paixão nos enche do amor que faz com que sejamos capazes de enfrentar a dor, as crises e até a própria morte. E nos faz cristãos para chorar nossas dores e chorar com os que choram para recebermos o consolo de Deus. Seja pelo seu Espírito Santo que nos capacita a combater o bom combate, seja pela manifestação do amor de Deus através da compaixão de meus irmãos e irmãs. Precisamos aprender a solidariedade com os doentes, não isolando-os num quarto dos fundos de nossa vida, mas chorar com quem chora. Devemos perceber a concretude da morte e poder chorá-la, na esperança cristã de que, como diz a Palavra de Deus, o morrer é lucro.

Devemos ser livres e humanos para chorar nossa dor e a morte. Mas devemos ser humanos e cristãos para chorar com os que choram, para consolar os que choram e para animar a vida que chora com a esperança do amor de Deus. Há duas afirmativas de Deus que se cumprem em nossa vida: a primeira é que viemos do pó e que ao pó voltaremos (morte) e a segunda é que quem crê em Cristo, ainda que morra, tornará a viver (vida para além da morte). Como diz a letra de um dos hinos do nosso Hinário Evangélico, “As tuas mãos (Deus) dirigem meu destino, acaso para mim não haverá”.

Por fim, sugiro a quem possa interessar, para reflexão e alargamento da visão e da compaixão, pelo menos 3 bons livros: DORES QUE NOS TRANSFORMAM, dos pastores Edson Fernando e Jonas Rezende; SOBRE A MORTE E O MORRER, de Elisabeth Kübler-Ross e o fantástico livro CRISTO E O SOFRIMENTO HUMANO, de Stanley Jones.

Nenhum comentário: