quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O bêbado João ou porque João bebia (Ronan Boechat de Amorim)


Outro dia conheci o Bêbado João.
Não importa onde.
Nem mesmo se o conheci.
Mas ele era João. Existe.

Perambula pelas eiras das ruas
numa noite escura de estrelas.
Fomos juntos num bar
pra afogar as nossas tristezas,
não num copo de cachaça,
mas num copo duplo de suco natural
de ameixa com pêssego
(pra ser diferente!).

João me contou sua paixão
e vida de morte,
sua sofrida infância pobre,
adolescência solitária
e a desgraça de sua juventude.

Trabalhou como vendedor ambulante,
biscateiro,
ajudante de pedreiro, pedinte de esmola.
Trabalhando sub-empregado
ganhando de salário mínimopra baixo,
sem carteira assinada,
sem direitos trabalhistas.
E agora, desiludido da vida,
perdendo a mesma vida
como desempregado.

Ah! Os velhos tempos...
A mulher lavava roupra pra fora.
O filho sem poder estudar, trabalhava,
ora como engraxate, ora como vendedor de picolé.
A filha cacula morreu raquítica
também na falta de cuidados médicos.
E a mais velha, cuidando de si mesma,
fugiu com um traficante.
Teve ainda a história do filho do meio
morto por uma bala perdida
durante um tiroteio de quando a polícia invadiu o morro.

No seu desespero,
a mulher se suicidou
naquele sábado de aleluia,
enquanto João, caído de bêbado
e dor,
malhava o Judas
na calçada de um botequim.

Agora João era Bêbado...
Melhor dizendo:
agora João nem era mais.

Enquanto pranteava sua história
e desesperança desatinada
João quase sorria
e foi entre um silêncio e outro
que descobri porque João bebia.

Ele era bêbado de falta de vida,
e por desconfiar
que isso não é normal.
João sofreu e pensou,
pensou e sofreu.
Pra não pensar e sofrer mais
é que João bebia.

O João continua.
Sempre está por aí
sofrendo, perto ou longe de mim,
e eu o reconheço em muitos João
embriagados de sofrimento
pçelos muitos caminhos
dessa nossa vida que devia ser festa,
mas que para muitos é peso e choro,
e tão cheia de calçadas.

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