quarta-feira, 29 de outubro de 2008
“O que acha uma esposa, acha o bem e alcançou a benevolência do Senhor” (Pv 18:22)
(Um texto de Ronan Boechat de Amorim)
1 – O TEXTO:
- é um provérbio que não precisa de um contexto literário, pois o provérbio vale por si mesmo. E que nasce da experiência do matrimônio. E tem a ótica do sexo masculino (achou esposa)
- Há nesse provérbio a afirmação ingênua (o que acha uma esposa, acha o bem) que combina com a alegria do encontro do início do matrimônio.
- o verbo achar na língua portuguesa é usado quando se acha algo por acaso ou algo procurado. Na língua hebraica só existe a segunda opção: ou seja, a esposa achada e o bem achado foram encontrados na base da insistente procura.
- a esposa e o bem não são achados por acaso. São achados por procura. São uma meta, um alvo, um achado para a vida toda. A mulher é a companheira de vida, a esposa.
- a mulher achada é o bem (algo muito bom e precioso) achado
- é o encontro pessoal (da esposa) que gera uma coisa muito mais ampla (achar o bem, algo muito bom). Achara a esposa significa achar a felicidade que se procura.
- é um provérbio ingênuo: não está nem um pouquinho preocupado com os problemas que fazem parte do convívio, para as tensões do convívio de homem e mulher.
- uma série de outros textos e provérbios no livro de Provérbios fala das dificuldades da vida matrimonial. Um deles é: “Melhor é morar numa terra deserta do que com mulher rixosa e raivosa” (Pv 21:19).
- Nosso provérbio de hoje não desconhece as dificuldades, não faz de conta que elas não existem, mas ele engloba essas dificuldades, ele integra essas dificuldades e mesmo assim, apesar das dificuldades, teimosamente ele afirma: “esposa = felicidade”.
- A teimosia desse provérbio é dizer que a felicidade não é um maniqueísmo, não é apenas um sentimento de que tudo vai bem e onde a gente não sente as tensões, as dificuldades, as crises, as divergências, as dores. A felicidade, nesse provérbio, e em toda Bíblia é algo que se acha, é algo que se conquista, é algo que se vive, mesmo em meio a situações difíceis, precárias e dolorosas.
APLICAÇÃO:
- A felicidade não está apenas no topo da montanha, mas ocorre também quando a estamos escalando. A felicidade não é apenas um resultado final, um resultado no final da nossa vida, mas em todo o processo, em tudo o que a gente viveu, experimentou, INCLUSIVE o que a gente sofreu, enfrentou, reverteu, superou, venceu...
- O poeta Francisco Otaviano acertadamente sentencia:
“Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem - não foi homem,
Só passou pela vida - não viveu.”
Por outro lado, “Toda dor vem do desejo de não sentirmos dor”, cantam os Titãs.
Vivemos numa cultura hedonista, que deseja unicamente o prazer, a toda hora e a qualquer tempo e o tempo inteiro. O prazer é algo bom e faz bem. Mas a vida é mais que as sensações de prazer. A vida é luta, é conquista, é confronto, é riso, é choro, é trabalho, é preguiça. E é exatamente aí que a a gente encontra a felicidade: quando a vida é boa, quando as lutas da gente dão sentido aos sofrimentos e que as dificuldades nos tornam mais antenados, mais solidários e mais humanos.
Nos enganamos às vezes pensando que basta apertar um botão, dar um downloud, deletar, etc que as coisas se resolvem. Relações de amor, entre pessoas, mesmo entre pessoas muito queridas e preciosas, demandam cuidado, tempo, paciência, investimento, conversas, silêncios, pedido de perdão, oração, cafuné.
Mas nossa experiência como pessoas cristãs tem nos mostrado que precisamos também da presença de Deus, o pai de amor, o amigo bondoso, criador de todas as coisas, Deus passional a favor da vida e da justiça.
Porque só Deus pode nos ajudar a “domar” o cão bravo que cada um de nós tem dentro de si.
A Bíblia afirma que todas as pessoas são ambíguas e contraditórias. Isso faz parte de nossa cultura, de nossos valores, de nossa racionalidade, de nossas relações, de nosso DNA.
Há aqueles que se acomodam e são deliberadamente egoístas, egocêntricos, racistas, sexistas, machistas, manipuladores, indiferentes, complexados, fofoqueiros, opressores, mentirosos, ingratos, traidores, arrogantes, etc), e que não se importam com as outras pessoas, apenas usam as outras pessoas.
Mas há aqueles que embora ambíguos e contraditórios, querem viver de um jeito diferente, mais humano, mais solidário, mais ético.
TAREFA
(Geir Campos)
Morder o fruto amargo e não cuspir,
Mas avisar aos outros o quanto é amargo.
Cumprir o trato injusto e não falhar,
Mas avisar aos outros quanto é injusto.
Sofrer o esquema falso e não ceder,
Mas avisar aos outros o quanto é falso.
Dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
-Do amargo e injusto e falso por mudar-
Então confiar à gente exausta o plano
De um mundo novo e muito mais humano.
Não querem ser heróis ou super-homens ou mulher biônicas, apenas querem ser humanos e construir com seu trabalho, com suas opções, com o jeito quotidiano de experimentar relacionamentos e de viver a vida, sentir-se parte desse mundo, e sentir que contribui para que a vida dos demais seja melhor e que o mundo seja um lugar melhor para todos, a começar, concretamente, com aqueles(as) que estão ao seu redor.
Não acredito em pessoas que querem preservar a camada de ozônio, salvar a Amazônia, despoluir a baía de Guanabara e não consegue ter relações de cuidado e amor com as pessoas concretas que fazem parte de sua vida, seja o casamento, seja os filhos, seja os amigos.
Deus nos ajuda a ser assim e a viver desse jeito. Ele transforma corações de pedra em corações de carne, dando sensibilidade e capacidade de sentir misericórdia. Deus infunde coração e forças, para que nenhum bem possa ser desprezado, por mais que pareça insignificante e sem sentido.
É isso que chamamos de graça, o amor que Deus coloca em nosso coração pelas demais pessoas, por tudo que vive, pelo planeta, pela ecologia.
“O ímpeto dos impulsos agressivos precisa, numa certa medida, ser neutralizado pelo amor e ternura para que outros aspectos importantes das relações humanas tenham espaço para desenvolver-se. Se isto não for possível, estaremos no reino da natureza bruta ou muito próximos dele.”
“Para passarmos do reino do organismo para o reino da pessoa e da cultura, é necessário percorrer um longo caminho no qual as sensações de prazer e desprazer são o ponto de partida e matrizes a partir das quais os sentimentos e pensamentos vão se organizando e se integrando ao conjunto de capacidades mentais e atitudes que compõe a personalidade de uma pessoa, dando assim plena expressão ao que entendemos como humano. Essa evolução é tão significativa e complexa que, mais tarde em sua vida, o ser humano é capaz de atitudes de sacrifício e renúncia (por uma ideologia, fé religiosa, amor a alguém, etc) que vão muito além da busca imediata do prazer e da evitação (a atitude de evitar) do desprazer.”
“O companheiro do indivíduo amadurecido se movimenta a um nível humano, e o nível humano não admite mero uso de outras pessoas. Em um nível humano eu não utilizo outro ser humano, mas eu me encontro com ele, o que significa que eu reconheço plenamente sua qualidade humana. E se dou mais um passo, além do reconhecimento de sua qualidade humana de ser humano, reconhecendo plenamente sua unicidade como pessoa, trata-se de algo mais que um encontro. O que ocorre então é o amor”.
(Extraído do Documento da Igreja Metodista Sexualidade e Afetividade”, escrito por Janice e Almir Linhares”)
3 – E ACHOU BENEVOLÊNCIA DO SENHOR!
Essa frase final do provérbio não é outra coisa senão uma afirmação de fé. Onde um homem e uma mulher se encontram por amor e se unem pela bênção de Deus em matrimônio, ali está realmente o favor do Senhor. Acham a benevolência de Deus, têm a aceitação de Deus.
A Bíblia nos diz que foi Deus quem intencionalmente nos fez homem e mulher. E nos fez assim para que pudéssemos superar uma experiência ruim: a solidão. O Deus amoroso que faz com que “o solitário habite em família” (Salmo 68:6) disse: “Não é bom que o homem esteja só, farei para ele uma companheira com quem possa conversar de igual para igual” (Gn 2:18).
Assim, em meio à procura humana pela esposa ou pelo esposo, Deus está ao nosso lado. Pois mesmo dentro da realidade do casamento e da família, podemos aplicar a palavra de Jesus: “onde houver dois ou três reunidos no meu nome, ali eu estarei” (Mt 18:20). E numa relação de amor e companheirismo onde o Senhor está presente somos capazes de reconhecer e experimentar que “o cordão de três dobras não se rompe” facilmente (Eclesiastes 4:12). O Senhor é o abençoador, sustentador e fiador da relação, da aliança.
“Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol” (Eclesiastes 9:9). Ou na linguagem de hoje: “Enquanto você viver neste mundo de ilusões, aproveite a vida com a mulher que você ama. Pois isso é tudo o que você vai receber pelos seus trabalhos nesta vida dura que Deus lhe deu.”
E não podemos nos esquecer que para um casal assim, os filhos são herança do SENHOR são os filhos (Salmos 127:3). “Não trabalharão debalde, nem terão filhos para a calamidade, porque são a posteridade bendita do SENHOR, e os seus filhos estarão com eles” (Isaías 65:23). “Bem-aventurado aquele que teme ao SENHOR e anda nos seus caminhos!” (Salmo 128:1).
E embora o texto seja de uma época patricarcal, ou seja, em que os homens (sexo masculino) eram o centro de tudo e decidiam tudo, cabendo às mulheres apenas obedecer (e chorar, se for o caso), sabemos que Jesus quebrou a maldição do pecado que criou a opressão e a dominação de uns sobre os outros (Mc 10:42-45) e muito particularmente da dominação do marido sobre a mulher tão claramente descrita em Gn 3:16. “O teu desejo sra para o teu marido e ele te governará”.
Assim, nós cristãos que somos libertados por Cristo de todo jugo de dominação (Gálatas 5:1) podemos aplicar esse texto de Pv. 18:22 dentro desse novo contexto, desse novo tempo de graça, afirmando não apenas que “quem achou esposa, achou o bem”, mas também “quem achou esposo, achou o bem”. Ambos, pela fé nos propósitos e na Palavra de Deus “alcançam a benevolência do Senhor”, Aleluia!
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