sábado, 11 de outubro de 2008

Anjos e demônios: Uma Perspectiva Bíblica (Robinson Cavalcanti)




1. Preliminares
Em uma perspectiva antropológica, falamos do imaginário religioso, como uma das expressões da cultura. Estamos nos referindo a uma percepção do sagrado, como o povo, em determinada época e lugar, o percebe em suas imagens, representações e conceitos, expressos na literatura e na arte, bem como na simbologia verbalizada pela tradição oral. Filosoficamente, poderíamos nos referir à conceitualização do metafísico, do além material. Anjos, bons e caídos, integram esse imaginário, esse metafísico, para essas disciplinas.

A Sociologia da Religião, a Ciência Política e a Psicologia Social têm, igualmente, voltado a sua atenção para a relação entre a situação social vivida por seus atores e a representação do sagrado. A Psicanálise tem estudado, particularmente, o lugar dos sonhos.

A Angelologia e a Demonologia, portanto, transcendem a perspectiva bíblico-teológica, para, por sua importância, merecerem um tratamento interdisciplinar.

A profusão de publicações sobre o tema, em nossas livrarias religiosas e seculares, e a análise do discurso religioso mais recente, são indicadores da relevância dessa temática.

2. Mudanças Históricas
Anjos e demônios são conceitos integrados à religiosidade judaica, antes e depois do exílio, bem como na vivência da Igreja Primitiva.

Para essas religiões, nós teríamos Deus, a criação do universo (incluída a criação terrena), com os seres humanos, os animais irracionais, os vegetais e os minerais, e, na dimensão espiritual, as hostes angélicas da bondade e da maldade.

Essa cosmovisão, contudo, vai sofrer profundas alterações no contato do cristianismo em expansão com a civilização greco-romana e a sua mitologia. Conquanto, o politeísmo venha a ser progressivamente erradicado e substituído pelo monoteísmo trinitário, a categoria mítica dos “heróis”, (seres abaixo dos deuses e acima dos homens) vai subsistir, em um processo de sincretismo, com os mártires e heróis da fé ocupando o patronato de lugares e de profissões, além de desempenharem um papel mediatório entre os fiéis e Deus. A carência de deusas (divindades femininas) secularmente arragaidas, terá papel decisivo no desdobramento da mariologia.

Além do Pai, do Filho, do Espírito Santos, dos anjos bons e dos anos caídos, a religiosidade, no ocaso da Idade Antiga, vai incluir Maria, os santos e as santas. Essa profusão de entidades levará a um distanciamento entre os fiéis e a divindade, e a necessidade crescente da medianeira e dos santos, não alvos de adoração (latria), mas de hiperdulia e de dulia (veneração), em uma nova e original elaboração teológica.

Esse cenário irá se complicar ainda mais, na Idade Média, com a evangelização dos germanos, com o seu animismo das árvores sagradas, as fadas, os duendes e os gnomos.

Na mente dos fiéis vai desaparecer a distinção entre a tradição bíblica, o magistério da Igreja Oficial e o imaginário religioso de origem pagã. A tudo isso acrescentaríamos a veneração de relíquias, as peregrinações, as penitências e o purgatório.

No final da Idade Média, o imaginário religioso é assim sintetizado por um autor: “um Deus distante, um Cristo débil, um demônio forte e anjos importantes”.

Todo esse edifício é confrontado pela Reforma Protestante. Há uma denúncia e um combate frontal às superstições e à idolatria. A docência reformada desqualifica a existência de fadas, duendes e gnomos, devolve a Maria e aos santos o seu devido lugar de heróis da fé e exemplos de vida, procura reconceitualizar o papel dos anjos e dos demônios sob um prisma bíblico, afirmando a centralidade de Cristo, da Graça e da Fé.

A Reforma Religiosa do século XVI, portanto, não nega a existência de anjos e demônios, mas procura reduzir a sua expressão, visando aliviar as mentes oprimidas e aterrorizadas pelos erros e exageros do passado. O próprio Martinho Lutero confronta o demônio, quando traduzia as Sagradas Escrituras para o vernáculo, diante da lista de acusações e mentiras que o inimigo lhe fazia, ele joga um tinteiro, proferindo as palavras: “Arreda-te satanás, pois o sangue de Jesus Cristo me purifica de todo o meu pecado!”

O século XVII será conhecido como o século da “ortodoxia protestante”, como bem nos lembra Paul Tillich, com o trabalho teológico voltado para uma definição ou conceitualização racional da revelação, e no entendimento e na adesão à compreensão correta das verdades religiosas. Essa ênfase cognitiva, tantas vezes chamada de “ortodoxia fria” será temperada pela reação subjetiva e mística do movimento pietista.

Pois bem, a ortodoxia protestante irá marcar, decisivamente a angelologia e a demonologia das denominações históricas pelos próximos três, séculos, até a atualidade.

A existência e o papel dos anjos e os demônios são afirmados, segundo as Escrituras, reduzidos, todavia, ao mero campo doutrinário. Um historiador, analisando as igrejas históricas européias dos séculos XIX e XX afirmou: “No papel, nas confissões de fé, nas lições da Escola Bíblica Dominical, os anjos e os demônios são ensinados como existentes, mas na prática, no cotidiano da vida dessas igrejas, é como se eles não existissem”.

Esse “esvaziamento angélico” é agravado pela influência do Iluminismo e do Racionalismo sobre a teologia ocidental, como o Liberalismo e o conseqüente processo de desmitificação ou desmitologização, com a negação explícita e sistemática da existência dos anjos e dos demônios, tidos como resquícios de uma religiosidade primitiva.

Com os conservadores afirmando na doutrina e negando na prática, e com os liberais negando na teoria e na prática, escreveu um comentarista: “Essa foi a jogada mais brilhante de satanás: convencer o mundo que ele não existe, para poder atuar à vontade...”

A angelologia e a demonologia, porém, devem a sua sobrevivência, nesse período à Igreja de Roma, que insistia no conceito de “anjos da guarda” (“Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador”, diz a oração), e na preparação de obreiros como exorcistas, elaborando uma teologia da possessão demoníaca e do seu livramento.

O filme: “O Exorcista” é baseado em uma história real de um menino filho de luteranos nominais e da perplexidade do seu pastor liberal em tratar do assunto. Em uma noite, no gabinete pastoral, no lugar do pastor expulsar o demônio, é este que põe o pastor para correr...

A ciência moderna, especialmente a Psicologia, a Psiquiatria e a Psicanálise passaram a dar um tratamento patológico ao assunto, reduzido a alucinações de psicóticos em surto.

No mundo protestante ninguém falava mais em anjos, e se alguém aparecesse possesso os pastores não sabiam o que fazer. Os conservadores poderiam recitar textos de Lutero e de Calvino, e os liberais poderiam dizer:”Eu não posso mandar você sair, porque você não entrou, porque você não existe!”

O quadro vai mudar a partir de dois fenômenos: o encontro dos missionários europeus e norte-americanos com as religiões africanas e orientais e o surgimento, há cem anos, do movimento pentecostal.

Mesmo assim, quando Billy Graham, na década de 1970, lança o seu livro “Anjos”, ele afirma que a meio século não se escrevia sobre o tema no meio evangélico. Como sinal de que os tempos eram outros, o livro se transforma em um “best-seller”, traduzido para várias línguas, vendendo milhões de exemplares em todo o mundo.

Com a pós-modernidade, e a crise do racionalismo, no final do século passado e início do atual, os anjos e os demônios retornam ao cenário cultural, secular e religioso, com força total, graças, por um lado, a Nova Era, com uma nova angelologia em uma profusão de livros, que estão tornando ricos os seus autores, e, por outro lado, ao neo(pós)-pentecostalismo, e a sua teologia da “batalha espiritual”.

Estamos indo, em um pêndulo, de um extremo ao outro, com a pós-modernidade voltando ao imaginário pré-moderno, com a fragilização do Cristo, a re-importância dos anjos e um desmensurado poder satânico, inclusive com uma “geopolítica infernal”, os chamados “demônios territoriais”.

A teologia da “batalha espiritual” leva os seres humanos a lutar contra os anjos caídos, deixando ociosos os anjos bons e incontidos os homens maus. E, o que é mais grave, reduzindo os efeitos da Cruz de Cristo, como vitória sobre o mal, a ser apropriada pela fé. Assiste-se ao questionável espetáculo de possessões e exorcismos “com hora marcada”, e a atribuição de todos os males aos demônios, em uma visão mais perto do candomblé do que do cristianismo, agravada pela irresponsabilidade moral das pessoas.

O ceticismo liberal está decadente. A ortodoxia fria é insuficiente e de escassa relevância. A Nova Era e o Neo(pós)-pentecostalismo nos apresentam um desafio. Ruiu o mito da “bondade natural” (Rousseau). É desejado um novo momento de, a partir de uma reapropriação dos conceitos bíblicos elaborarmos uma nova espiritualidade e uma nova pastoral, que faça frente aos dramas internacionais, nacionais, estruturais e pessoais que atestam a existência do mal e de seres espirituais, que não são passageiros de OVN´s...

3. Uma Angelologia Bíblica Entendemos, pelas Sagradas Escrituras (mais de 300 citações), que os anjos existem. Eles são outro tipo de criaturas de Deus. São seres reais, espirituais, pessoais, santos (não corrompidos), mas não isentos da tentação e do pecado.

Os anjos estão presentes no Pentateuco e em outros livros do período pré-exílico. Em I e II Samuel, os anjos são dotados de integridade e obediência a Deus (I Sm.29:9; II Sm.14:17-20; 19:27); em I Reis como portadores do socorro aos servos necessitados (I Rs.19:5-7); em Juízes como mensageiros de ordens e mandamentos específicos (Jz.6:11-23). Há, neles um potencial guerreiro (II Rs.19:35; II Sm.24:16; Gn.32:1; II Rs.6:17), o que leva ao título de “Senhor dos Exércitos” para Javé.

Eles travam diálogos familiares (Gn.18:1-16), são perceptíveis pelos animais, como no episódio da mula de Balaão (Nm.22:21-35), podem ser guardiaes (Sl.91:11) ou portadores do recado da morte (Jó.53:22).

No período pós-exílico percebe-se uma maior clareza sobre o conceito dos anjos, especialmente nos livros de Zacarias e de Daniel, inclusive sobre o papel das hostes angélicas (Dn.1:10; Ne.9:6; Sl.68:17).

No Novo Testamento vemos a sua importância nos anúncios a Zacarias (Lc.1:11-20) e a Maria (Lc.1:26-38). Cristo foi ministrado pelos anjos (Mt.4:11; Lc.22:4), e teria poder de dar-lhes ordens (Mt.26:52). No livro de Atos vemos o anjo abrindo a porta da prisão para Pedro (At.5:19; 12:7-10), demonstrando que são possuidores de corpos com outra estrutura, não sujeitos aos obstáculos físicos materiais.

Eles são tratados, particularmente, na Carta aos Hebreus, com Cristo apontado como superior a eles (Hb.1:4), nas epistolas de Judas (9) e II Pedro (2). Mas é no Apocalipse onde os anjos adquirem maior clareza e relevância como adoradores e assessores de Deus no Juízo Final: “Então olhei e ouvi a voz de muitos anjos, milhares de milhares” (Ap.5:11).

Os anjos são classificados em diversas categorias:
a) Querubins (Gn.3:24)
b) Serafins (Is.6:2)
c) Arcanjos (I Ts.4:16)

E têm diversos nomes: Miguel, Gabriel, Uriel, Ariel. Aparecem com aspecto corpóreo e especial beleza.

No Antigo Testamento, eles:
- fecharam o paraíso terrestre depois do pecado de Adão e Eva;
- protegeram Ló em Sodoma;
- salvaram Ismael e Agar no deserto;
- anunciaram a Abraão e Sara que teriam um filho;
- detiveram a mão de Abrão quando este ia sacrificar Isaque;
- anistiaram o profeta Elias.

No Novo Testamento, eles:
- avisaram a Zacarias o nascimento de João Batista;
- anunciaram a Maria o nascimento de Jesus;
- louvaram a Deus pelo nascimento de Cristo;
- revelaram a José o mistério da encarnação;
- serviram a Jesus no deserto;
- confortaram a Jesus no Getsêmane;
- removeram a pedra na ressurreição.

São qualidades dos anjos:
a) a santidade – por servirem a Deus (Ap.14:10);
b) a reverência – por glorificarem a Deus (Sl.29:1,2);
c) o serviço – por ministrarem para Deus (Hb.1:14) e
d) proteção – por cuidarem e protegerem os fiéis na terra (Sl.34:7; I Rs.19:5-7).

Mensageiros de Deus. Adoradores de Deus. Protetores dos servos de Deus. A Igreja tem ensinado que os anjos assistem os fiéis em sua morte e os assistirão no Juízo final. Acampam em torno dos que o temem. Nos consola o salmista: “Nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda, porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para que não tropeces com o teu pé em pedra” (Sl.91:10-12).

Escreveu um teólogo: “Os cristãos que vivem à luz da presença de Deus sempre são acompanhados por anjos invisíveis, e esses seres santos deixam após si uma benção em nossos lares”.

Não podemos silenciar ou nos omitir porque o tema é levantado pela Nova Era, pela Igreja Romana ou pela Teologia da Batalha Espiritual. A correção a exageros as distorções não é o silêncio ou a omissão, mas a recuperação e a prática da verdade, a partir das Escrituras, sob a iluminação do Espírito Santo.

São os anjos estudados em nossas igrejas? Estamos conscientes do seu papel em nossa vida espiritual?

Um grande tesouro de espiritualidade parece estar escondido, conquanto esteja à nossa disposição. Nem ceticismo, nem misticismo, mas, com fé e discernimento, recuperemos o abençoado papel dos anjos na vida do povo de Deus, segundo a proposta de Deus.

Com os anjos cresceremos.

4. Uma Demonologia Bíblica
Um dos grandes mistérios da teologia judaico-cristã é a existência do mal, porque Deus permitiu o seu surgimento e existência, os detalhes sobre a sua origem. Dois fatos, porém, são claros: ele existe e ele será derrotado.

Textos como os de Ezequiel.28:12-15 e Lucas.10:18 indicam que houve uma rebelião liderada por um anjo de luz (Lúcifer), que, exercendo o seu livre arbítrio, optou pelo não-bem e pela ruptura de comunhão contra o Criador. Deus cria um lugar-estado (inferno) e para lá os lança (II Pe.2:4). O chefe desses anjos caídos é denominado de Lúcifer ou Satanás (hebraico = adversário), recebendo outros, como: belzebu, belial, o maligno, o príncipe deste mundo, diabo (grego = instigador, acusador).

Satanás lidera os demônios que:
1. São seres espirituais com personalidade e inteligência. Como súditos de Satanás, inimigos de Deus e dos seres humanos (Mt.12:43-45);
2. São malignos, destrutivos e estão sob a autoridade de Satanás.
3. São numerosos (Mc.5:9; Ap.12:41).

Eles mantêm a forma angélica, com a natureza voltada para o mal. Têm inteligência e conhecimento, mas não podem conhecer os pensamentos íntimos das pessoas e nem obrigá-los a pecar. Há autoridade e organização no mundo inferior (Mt.25:41), mas por não ser Satanás onipresente, onipotente e onisciente (atributos exclusivos de Deus), ele age por delegação a seus inúmeros demônios (Mt.8:28; Ap.16:1-14).

A teologia cristã tem percebido, a partir da Bíblia e da experiência, os seguintes ministérios demoníacos:
a) indução à desobediência a Deus e aos seus mandamentos;
b) propagação do erro e da falsa doutrina;
c) indução à mentira (“pai da mentira”) e à corrupção;
d) provocação de rebeldia nas pessoas que sofrem provações;
e) influência negativa sobre o corpo, os sentidos e a imaginação;
f) influência sobre os bens materiais (apego vs. perda);
g) realização de efeitos extraordinários, com aparência de milagres;
h) indução a sentimentos negativos, como o temor, a angústia e o ódio;
i) promoção da idolatria, da superstição, da necromancia, da magia, do sacrilégio e do culto satânico.

O mal esteve agindo no Pecado Original (queda), e exerce continuamente a sua obra perversa até o fim dos tempos, como tentador (Gn.3:1-5), caluniador (Jó.1:9-11), causador de enfermidades (Jó.2:7) e arquienganador (Mt.4:6). Ele mantém permanente luta contra Deus e o seu povo, procura desviar os fiéis de sua lealdade a Cristo (II Co.11:3), induzindo-os a pecar e a viver segundo os sistemas elaborados pela natureza corrompida ou “carne” (I Jo.5:19).

Os cristãos devem conhecer, pelo estudo da Bíblia e da teologia, a natureza e o ministério do mal, para se conscientizarem e se precaverem. O apóstolo Paulo nos exorta a nos fortalecer em Deus e no seu poder, resistindo firmes pois “a nossa luta não é contra os seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores desse mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais” (Ef.6:12).

A disciplina devocional, com a leitura da Bíblia, a oração, os sacramentos, a busca de santidade, o desenvolvimento dos dons, a comunhão do Corpo, são antídotos contra o mal.

O ministério demoníaco contra as pessoas pode se dar de três maneiras:
a) tentação: apoio a opções negativas e atinge todos os seres humanos;
b) indução: (também chamada obsessão), uma ação mais íntima e contínua de “assessoria” à maldade, que atinge os descrentes e os crentes carnais;
c) possessão: quando os demônios se apoderam de corpos, controlando-os. Para a teologia evangélica clássica isso não pode acontecer a um convertido, cujo corpo é habitado pelo Espírito Santo.

Satanás e os demônios têm poder sobre os perdidos nesta vida e após a morte, que se destinam ao inferno.

Devemos estar advertidos para não cair em um dualismo de fundo zoroastrista. Satanás não é um ente contrário comparável a Deus. Quem combate contra ele é o chefe dos anjos bons, e são os anjos bons que combatem os anjos maus.

Não devemos nem minimizar, nem maximizar o ministério do maligno. Ele já foi derrotado na cruz, e o sangue de Cristo já tem poder, a obra da expiação já foi realizada, Cristo já ressuscitou e o Espírito Santo já foi enviado. O resgate já se deu, é oferecido pela Graça e recebido pela fé. O Senhor já reina sobre o universo, a História e a sua Igreja.

A perfeição da Ordem Criada (Éden) será revivida na Ordem Restaurada (Nova Jerusalém). O mal terá um fim, quando Satanás e os demônios forem todos lançados no lago do fogo (Mt.25:41), também chamado de “Segunda morte” (Ap.20:14).

Devemos evitar cair na irresponsabilidade moral atribuindo aos demônios os males que são fruto de nossa opção, com natureza caída e pecadores. Não sejamos, portanto, ”caluniadores de Satanás”.

O racionalismo e o liberalismo teológico haviam negado a existência de Satanás e dos demônios. A teologia conservadora clássica (como fizera com os anjos bons), afirmava a sua existência, mas pouco elabora na prática do cotidiano dos fiéis. O pós-pentecostalismo e a teologia da “batalha espiritual” os vulgarizou e hipertrofiou o seu poder, além de, em uma atitude irracional, anticientífica e antibíblica, atribuir tudo aos mesmos. Nem indiferenças, nem irresponsabilidade, nem angústia opressiva.

Devemos rejeitar as representações pictóricas aterradoras (fruto da imaginação dos artistas), pois o mal não é incompetente em “marketing” ou em “relações públicas”, podendo aparentar beleza, bondade e prodígio.

O mal, que ele nos tenta, pode estar em nosso caráter, em nosso temperamento, e em nossa ética. Devemos evitar o dualismo de fundo bramânico, entre “alma” (boa) e “corpo” (ruim). O ser humano foi criado integrado, caiu integrado e é restaurado integrado. “Carne” na Bíblia não é igual a Corpo (muito menos a sexualidade) mas a natureza caída (integrada). Lutero disse: “Jesus veio em carne e não pecou; Satanás não tem carne e peca todo o tempo”.

A Palavra e o Espírito vão nos libertando dos condicionamentos culturais e nos forjando como “novas criaturas”.

A presente ordem, e o poder do mal, são transitórias. A nossa esperança é escatológica, “pois a antiga ordem já passou” (Ap.21:4b).

5. Conclusões

Com o ocaso da modernidade vão-se os seus mitos: a bondade natural, o progresso, a razão (ciência) e as utopias globais. Volta a ambigüidade moral (e o pecado), os avanços e as decadências, a sensação de limitação nos empreendimentos e instituições humanas, e a redescoberta do além-razão no ser humano: o místico, o estético, o erótico, o lúdico, o intuitivo etc. Há uma redescoberta do antes desvalorizado.

A construção do futuro, porém, não se faz com um mero retorno ao passado (e aos seus males). O angélico e o demoníaco voltam como temas e realidades, vencendo-se, porém, os “sincretismos protestantes” e as “superstições evangélicas”, estranhas ao espírito e a proposta da Reforma.

Nem o reducionismo psicanalítico, nem o reducionismo dos “cultos de descarrego”...

A consciência do místico, do transcendente e do espiritual, não nos leva à alienação da História e das nossas responsabilidades como cidadãos e pessoas plenas.

Pois o bem e o mal, e suas potestades, se relacionam com os poderes políticos históricos, como procurou demonstrar Agostinho de Hipona em sua “Cidade de Deus”.

Que os anjos do Senhor acampem em redor de nós...

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